segunda-feira, 28 de junho de 2010

Na espera

Foi no anúncio da sua espera que o rútilo dos meus olhos mudou de cor. No lume de um palpitar vazio e sem compasso a curva do meu rosto se umedeceu. Lúbrica, na vértice de sorver pelo chão, uma gota foi amparada por um lábio que decifrava os significados do tempo.
Esperava eu, na ânsia de uma vinda falsa, suas botas no meu capacho. Ainda que deixadas do lado de fora, ainda que sujas ou velhas ainda esperava eu por um voltar sem volta . Na promessa declamada num dia cinza, guardava no frio das mais altas ameias um coração aflito que, paciente, aguardava por esperar.
Na esperança da espera, notei que vivera até aqui gozando de meus dias como se eles fossem infindos, como se o calendário, agora desbotado e com orelhas, marcasse sempre o primeiro dia de cada mês e os meses que surgem são sempre meses sem feriados.
Foi por esperar demais que aprendi que os dias devem ser vividos como se fossem os últimos da folhinha, que os amores devem ser amados como se amanhã não houvesse paz, que os sorrisos devem ser dados como se fossem perder o som, que se deve tocar como se a mão perdesse o toque, como se a boca perdesse o tom...

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Caixa de Retalhos

Sentada no chão de pernas dobradas, vasculhava numa caixa antiga alguns papéis do passado. Procurava por um texto que um dia alguém lhe escreveu. Um texto bobo, comprido, romântico, doído. Um texto escrito em papel pautado, letra trabalhada, pintado com caneta que brilhava num verde pálido. Lembrava as cartas escritas nos séculos distantes para anunciar um acontecimento bom... parecia com as missivas que os amantes trocavam ilegais entre as vilas antigas que, mesmo sorrateiros, geravam guerras entre os brasões.
Revirou a caixa velha e já molenga e por lá encontrou coisas que lhe fizeram voltar há alguns tempos atrás... encontrou dentro do baú improvisado coisas boas, coisas inúteis, fotos borradas, cartas rasuradas, cartões de aniversário e de desejos de boa sorte.
Encontrou ali um pedaço pequeno de si. Um pedaço que ficara esquecido e, que abafado dentro da tal caixa, adormeceu num coma profundo. Releu alguns textos antigos, alguns anúncios que vendiam fantasias, outros que pediam socorro e pensou se era possível resgatar aquilo tudo. A caixa era pequena, mas o que guardava era grande demais para caber em outro lugar. Preferiu fechar a caixa e manter tudo ali... adormecido como estava. Deixou o tal texto bobo pra lá e preferiu buscá-lo na lembrança...

... “E é por isso que eu te peço: resta um pouco em minha vida
Que meus deuses estão mortos, minhas musas estão findas
E de ti eu só quisera fosses minha primavera
E só espero, Coisa Linda, dar-te muitas coisas lindas...”