segunda-feira, 15 de março de 2010

O dom

Tinha o dom de prever o futuro. No final da tarde, sentado na sua cadeira de espuma, fechava os olhos enquanto a brisa beijava sua face. Na mente vazia vinham-lhe os acontecimentos do dia seguinte. Como filme, pessoas, lugares, sabores e tropeços apontavam na sua frente fazendo-o viver o amanhã naquele vão instante. Tudo parecia tão real.
Ao acordar, preparava-se para encarar a falta de surpresa que o dia antevisto lhe presentearia. O tal dom já lhe causara certo desgosto, pois já não mais conhecia os sentimentos repentinos e os sobressaltos de uma vida inefável, quiçá os imprevistos de um cotidiano pacato... Amuou.
Já nem se lembrava há quanto tempo (con)vivia com esses lampejos e tentou por algum tempo não vislumbrar aquele final de tarde e nem deixar que a tal brisa lhe beijasse parte alguma do corpo, mas percebeu que todo aquele dom estava bem dentro da sua cabeça vazia. Nem precisava fechar os olhos para ver as cenas do dia seguinte saírem de uma cartola como se fosse mágica manjada. Desistiu de tentar reprimir o fardo condão e seguiu vivendo assim.
Talvez o tal menino consiga um dia perceber que se fizesse seus dias diferentes, deixaria de prever o óbvio.

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