sexta-feira, 5 de março de 2010

Rameira

Toda noite às sete e quinze, prepara suas coisas no quarto escuro e inicia seu ritual. Amarra os cabelos vermelhos com um elástico frouxo, despe-se na frente do espelho com tal delicadeza a fim de contemplar cada parte do seu corpo como se fosse o de outra mulher. Observa dobras, curvas, pêlos, sinais e dá especial atenção as suas costas. Liga o chuveiro, enquanto isso molha seus pés e sente a temperatura da água aquecer. É o começo de uma nova lua, já que as noites são todas iguais.
Ainda enrolada na toalha, liga o som e ouve uma música brega que fala sobre um amor barato, desses que ela desconhece e desacredita, pensa em como a vida não lhe fora complacente até aquele momento e prefere esquecer as oportunidades que não teve... Hoje, ela não chora mais, já se conformou com o cheiro do cigarro e o gosto de whisky vagabundo na boca de um qualquer no fim da noite.
Nos olhos claros um lápis grosseiro, para os lábios úmidos um batom vil e entre os seios arredondados uma lembrança de quando era mulher... aliás, aquele cordão era a única coisa que levava consigo e que parecia ser verdadeiro. No espelho, tudo soava tão falso. Até mesmo seu olhar arrojado fazia lhe parecer pintura.
Terminou de se arrumar, soltou os cabelos de fogo, ajeitou a meia fina desfiada e como de costume testou-lhe o hálito. Lá fora o vento sopra cortante, mas a essa altura da vida, nada corta mais do que se olhar e não se reconhecer.

2 comentários:

Lexs' disse...

Ammmeeei!!!
senti o cheiro das coisas, dona Agatha Christie!!!
Bjo, saudade de vc.

P.S.(Vc conhece o Scliar, Moacir?)

Unknown disse...

Adorei esse...!
Principalmente a ultima frase.
Bjs