segunda-feira, 1 de março de 2010

Grafite

Dizia que não gostava de viver do passado, mas sempre levava nas mãos um papel sem pauta e um lápis sem ponta. Tinha a mania de anotar as coisas que via na vida, na vila, na veia, na pele. Anotava por anotar e guardava por guardar o papel amassado no bolso da calça larga. Fingia esquecê-lo por lá, mas queria mesmo era que alguém achasse o papelzinho amarrotado e lesse os segredos que aquele lugar escondia.
Às vezes, quando o dia estava calmo ou quando Dona Celeste não visitava a Casa de Pregos com seu decote em “v”, inventava coisas, histórias, romances e, sentado na escada que dava pra rua, imaginava cenários do arco da velha. Passava tudo pro papel... esses, acabava por esconder num potinho dentro do armário de bolachas já que nunca tinha bolacha pra comer.
Escrevia sobre o mundo que conhecia, sobre causos exagerados que escutava na porta do armazém entre um fiado e outro, sobre pessoas que já ouvira falar e sobre as dores de um lugar esquecido.
Não escrevia sobre si, sobre os padres da cidade e nem sobre Ana.
Não escreve sobre si porque achava sua vida pequena demais pra tanto papel que carregava. Os padres, bom... esses já sabiam demais sobre tudo e todos... nunca achou que os padres fossem pessoas confiáveis, preferia seus papéis manchados do grafite.
Não escrevia sobre Ana... Para Ana, apenas reservava-lhe os sonhos.

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